domingo, 25 de novembro de 2012

Estudos catequéticos sobre Maria


MARIOLOGIA: INTRODUÇÃO GERAL

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

A discussão em torno do papel de Maria no cristianismo é tão presente e extensa que surgiu um tratado específico para estudar os dogmas referentes à mãe de Jesus. Esta parte da teologia chama-se mariologia, isto é, estudo sobre Maria. As fontes para uma teologia sobre Maria são as Escrituras, os Concílios e as tradições litúrgicas.
Pelo menos as seguintes fontes são importantes para a discussão sobre Maria: a) Novo Testamento, b) Os cânones do Concílio de Éfeso, c) As fórmulas litúrgicas antigas, d) O Proto-Evangelho de Tiago e e) O Tránsitus Mariae.

Maria no Novo Testamento

As informações sobre Maria nos textos do Novo Testamento são escassas porque a atenção está toda voltada para Jesus.
Os atributos de Maria na Bíblia são: a) kekharitoméne – agraciada, cheia de graça (Lc 1, 28); b) eulogeméne – bendita entre as mulheres (Lc 1, 42); c) méter toú Kyríou – mãe do meu Senhor, d) kaí makaría he pisteúsasa – feliz porque acreditou (Lc 1, 45), e) makariousí – bem-aventurada. Essas expressões dão a Maria um destaque diante das outras mulheres por causa de Jesus.
Cada evangelista apresenta Maria sob um ponto de vista diferente: MARCOS (ano 60) – Ela é apresentada como a mãe carnal de Jesus. Não há destaque. MATEUS (ano 70) – Maria é apresentada aos judeus, portanto, destaca-se sua história como cumprimento das profecias. Maria é a parthénos (virgem/moça/não casada) que dará à luz o Emanuel. LUCAS (ano 80) - Maria é uma mulher de fé, mãe do Messias. E possui destaque. JOÃO (ano 90) – É a mediadora da fé e mãe da comunidade.

Os dogmas marianos definidos em concílios

Nos primeiros séculos, houve uma discussão sobre a relação de Maria com Cristo. Muitos hesitavam em chamá-la de mãe de Deus. E a consideravam apenas mãe de Jesus. A discussão gerou o debate sobre o Theotokos (Mãe de Deus) versus Christotokos (Mãe de Cristo).
O Concílio de Constantinopla II (381 d. C.) faz uma alusão à virgindade de Maria, incluindo no Credo a expressão por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e se fez homem”.  A maternidade virginal sempre esteve presente nos escritos dos pais da Igreja. A polêmica maior se deu entre conciliação da natureza humana com a divina de Jesus.
O Concílio de Éfeso (431 d. C.) procura esclarecer em que sentido se diz que Maria é mãe de Deus: “Santa Maria é chamada Mãe de Deus, não por gerar a natureza divina de Jesus, mas por ter gerado sua natureza humana, a qual está unida ao Verbo na unidade da Pessoa.” E define dogmaticamente que ela é  a Theotokos.
Tempos depois, o Concílio de Calcedônia (451 d. C.) também define em seu símbolo de fé a dupla natureza de Jesus, declarando que Maria é mãe de Jesus, e se ao homem está unido a natureza divina, Maria também é mãe de Deus. A partir do Concílio de Calcedônia (533 d. C.) o dogma passou a ser universalmente aceito.

 Perspectiva protestante

O reformador Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (1509-1564) e Ulrich Zwinglio (1484-1531) não desprezaram Maria. Apenas declararam que não seria lícito prestar culto a ela. Lutero tem Maria em alta estima chamando-a de “altamente louvada” na obra “Magnificat”.
            Foram os evangélicos pentecostais que começaram um combate à mariolatria que chegou a se tornar uma mariofobia, ou seja, uma desconsideração até com a Maria dos Evangelhos.

Os dogmas tardios

Os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Maria foram proclamados tardiamente. Já havia acenos nesta direção na prática cristã, mas foram definidos por escritos papais nos séculos XIX e XX.
Em 1854, o papa Pio IX declarou o dogma da Imaculada Conceição de Maria pela bula Ineffabilis Deus, afirmando:

(...) que a doutrina que defende que a beatíssima Virgem Maria foi preservada de toda a mancha do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção, por singular graça de privilégio de Deus omnipotente e em atenção aos merecimentos de Jesus Cristo salvador do gênero humano, foi revelada por Deus e que, por isso deve ser admitida com fé firme e constante por todos os fiéis.

A Imaculada Conceição de Maria encontra respaldo na liturgia e também na narração do Proto-Evangelho de Tiago. Este texto datado de 60 d.C. até 150 d. C. apresenta a história de Maria desde sua concepção até a morte, fornece os nomes de seus pais (Joaquim e Ana) e vários detalhes sobre sua vida, além de enfatizar sua santidade. Os nomes dos irmãos de Jesus, por parte de pai, aparecem como sendo Judas, Josetos, Tiago, Simão, Lígia e Lídia (Ver Mc 6, 3). Este texto também fala de sua morte.
A concepção sem pecado está intimamente ligada à doutrina do pecado original desenvolvida por Agostinho. No século XII, houve uma discussão mais intensa sobre se Maria foi preservada do pecado original: Maculistas x imaculistas. Santo Anselmo, Pedro Lombardo, São Bernardo, Santo Alberto Magno, São Tomás de Aquino, São Boaventura e Alexandre de Hales, eram contrários à afirmação. Duns Escoto era a favor: Ela foi preservada pelos méritos do Redentor.
Em 1950, o papa Pio XII proclamou o dogma da Assunção de Maria por meio da Constituição Munificentissimus Deus.  Este dogma diz que Maria foi elevada ao Céu de corpo e alma. O dogma se baseou em antigas tradições sobre a morte de Maria.  Segundo essas tradições, Maria não teria passado pela morte, teria dormido (dormitação) e sido elevada ao Céu.
Existe um texto antigo que fala sobre a dormição de Maria chamado Tránsitus Mariae[1](A Passagem de Maria), do final do século II. É uma das raríssimas fontes sobre o assunto. Esta obra parece ser uma síntese de outras obras anteriores.
A principal fonte de preservação e consolidação desses dogmas foi a liturgia. Por exemplo, desde o século VI se celebra a Festa da Assunção. Desde cedo estes atributos marianos foram celebrados.

Maria à luz do Concílio Vaticano II
O Concílio Vaticano II acolhe os textos da Ineffabilis Deus e da Munificentissimus Deus e afirma que Maria foi escolhida desde a eternidade para ser a mãe de Deus. A Constituição Lumen Gentium considera Maria como a mãe espiritual de todos os fiéis.

Maria e o ecumenismo

Os dogmas marianos são pontos de divergência entre católicos e evangélicos. Mas quando se trata da Maria a partir da Bíblia é possível estabelecer um diálogo. Maria, sem dúvida, é a serva do Senhor, discípula, crente. A partir da Reforma esta foi visão presente entre os protestantes. Em contraposição, o catolicismo popular reagiu com uma visão triunfalista de Maria.
Existem dois excessos em relação a Maria: O maximalismo e o minimalismo. Enquanto uns elevam Maria além do que as Escrituras e os dogmas permitem, colocando num lugar que nem ela quereria ocupar, outros diminuem a figura de Maria, talvez por mero combate, e acabam perdendo até mesmo a inegável Maria da Bíblia.  Portanto, o sensato seria ‘a Maria nem o máximo e nem o mínimo, a ela somente o que é dela’, na dúvida, examine as Escrituras e a prudente Tradição.

REFERÊNCIAS

BOFF, Clodovis. Introdução à Mariologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
O Proto-Evangelho de Tiago.
Transitus Mariae. Tradução: Tránsito de la Bienaventurada Virgen María,.


[1] Segundo o Transitus Mariae, Maria viveu até os 59 anos e morreu no Getsêmani e foi elevada ao Céu por anjos, em um dia de domingo. O texto diz que João, o Teólogo, é autor da história.