MARIOLOGIA: INTRODUÇÃO GERAL
José Aristides da Silva Gamito
Introdução
A
discussão em torno do papel de Maria no cristianismo é tão presente e extensa
que surgiu um tratado específico para estudar os dogmas referentes à mãe de
Jesus. Esta parte da teologia chama-se mariologia, isto é, estudo sobre Maria.
As fontes para uma teologia sobre Maria são as Escrituras, os Concílios e as
tradições litúrgicas.
Pelo
menos as seguintes fontes são importantes para a discussão sobre Maria: a) Novo
Testamento, b) Os cânones do Concílio de Éfeso, c) As fórmulas litúrgicas
antigas, d) O Proto-Evangelho de Tiago e e) O Tránsitus Mariae.
Maria
no Novo Testamento
As
informações sobre Maria nos textos do Novo Testamento são escassas porque a
atenção está toda voltada para Jesus.
Os
atributos de Maria na Bíblia são: a) kekharitoméne
– agraciada, cheia de graça (Lc 1, 28); b) eulogeméne – bendita entre as mulheres (Lc 1, 42); c) méter toú Kyríou – mãe do meu Senhor, d)
kaí makaría he pisteúsasa – feliz
porque acreditou (Lc 1, 45), e) makariousí
– bem-aventurada. Essas expressões dão a Maria um destaque diante das outras
mulheres por causa de Jesus.
Cada
evangelista apresenta Maria sob um ponto de vista diferente: MARCOS (ano 60) – Ela é apresentada
como a mãe carnal de Jesus. Não há destaque. MATEUS (ano 70) – Maria é apresentada aos judeus, portanto,
destaca-se sua história como cumprimento das profecias. Maria é a parthénos (virgem/moça/não casada) que
dará à luz o Emanuel. LUCAS (ano 80)
- Maria é uma mulher de fé, mãe do Messias. E possui destaque. JOÃO (ano 90) – É a mediadora da fé e
mãe da comunidade.
Os
dogmas marianos definidos em concílios
Nos
primeiros séculos, houve uma discussão sobre a relação de Maria com Cristo.
Muitos hesitavam em chamá-la de mãe de Deus. E a consideravam apenas mãe de
Jesus. A discussão gerou o debate sobre o Theotokos
(Mãe de Deus) versus Christotokos
(Mãe de Cristo).
O Concílio de
Constantinopla II (381 d. C.) faz uma alusão à virgindade de Maria, incluindo
no Credo a expressão “por nós,
homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria e se fez homem”. A
maternidade virginal sempre esteve presente nos escritos dos pais da Igreja.
A polêmica maior se deu entre conciliação da natureza humana com a divina
de Jesus.
O Concílio de Éfeso (431 d. C.) procura
esclarecer em que sentido se diz que Maria é mãe de Deus: “Santa Maria é chamada Mãe de Deus, não por gerar a
natureza divina de Jesus, mas por ter gerado sua natureza humana, a qual está
unida ao Verbo na unidade da Pessoa.” E define dogmaticamente que ela é a Theotokos.
Tempos depois, o Concílio de Calcedônia (451
d. C.) também define em seu símbolo de fé a dupla natureza de Jesus, declarando
que Maria é mãe de Jesus, e se ao homem está unido a natureza divina, Maria
também é mãe de Deus. A partir do Concílio de Calcedônia (533 d. C.) o dogma
passou a ser universalmente aceito.
Perspectiva protestante
O
reformador Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (1509-1564) e Ulrich Zwinglio
(1484-1531) não desprezaram Maria. Apenas declararam que não seria lícito
prestar culto a ela. Lutero tem Maria em alta estima chamando-a de “altamente
louvada” na obra “Magnificat”.
Foram os evangélicos pentecostais
que começaram um combate à mariolatria que
chegou a se tornar uma mariofobia, ou
seja, uma desconsideração até com a Maria dos Evangelhos.
Os
dogmas tardios
Os
dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Maria foram proclamados
tardiamente. Já havia acenos nesta direção na prática cristã, mas foram
definidos por escritos papais nos séculos XIX e XX.
Em
1854, o papa Pio IX declarou o dogma da Imaculada Conceição de Maria pela bula Ineffabilis Deus, afirmando:
(...) que a doutrina que
defende que a beatíssima Virgem Maria foi preservada de toda a mancha do pecado
original desde o primeiro instante da sua concepção, por singular graça de
privilégio de Deus omnipotente e em atenção aos merecimentos de Jesus Cristo
salvador do gênero humano, foi revelada por Deus e que, por isso deve ser
admitida com fé firme e constante por todos os fiéis.
A Imaculada Conceição
de Maria encontra respaldo na liturgia e também na narração do Proto-Evangelho
de Tiago. Este texto datado de 60 d.C. até 150 d. C. apresenta a história de
Maria desde sua concepção até a morte, fornece os nomes de seus pais (Joaquim e
Ana) e vários detalhes sobre sua vida, além de enfatizar sua santidade. Os
nomes dos irmãos de Jesus, por parte de pai, aparecem como sendo Judas,
Josetos, Tiago, Simão, Lígia e Lídia (Ver Mc 6, 3). Este texto também fala de
sua morte.
A concepção sem pecado
está intimamente ligada à doutrina do pecado original desenvolvida por
Agostinho. No século XII, houve uma discussão mais intensa sobre se Maria foi
preservada do pecado original: Maculistas x imaculistas. Santo Anselmo, Pedro
Lombardo, São Bernardo, Santo Alberto Magno, São Tomás de Aquino, São
Boaventura e Alexandre de Hales, eram contrários à afirmação. Duns Escoto era a
favor: Ela foi preservada pelos méritos do Redentor.
Em 1950, o papa Pio
XII proclamou o dogma da Assunção de Maria por meio da Constituição Munificentissimus
Deus. Este dogma diz que Maria foi
elevada ao Céu de corpo e alma. O dogma se baseou em antigas tradições sobre a
morte de Maria. Segundo essas tradições,
Maria não teria passado pela morte, teria dormido (dormitação) e sido
elevada ao Céu.
Existe um texto antigo
que fala sobre a dormição de Maria chamado Tránsitus Mariae[1](A
Passagem de Maria), do final do século II. É uma das raríssimas fontes
sobre o assunto. Esta obra parece ser uma síntese de outras obras anteriores.
A principal fonte de
preservação e consolidação desses dogmas foi a liturgia. Por exemplo, desde o
século VI se celebra a Festa da Assunção. Desde cedo estes atributos marianos
foram celebrados.
Maria
à luz do Concílio Vaticano II
O
Concílio Vaticano II acolhe os textos da Ineffabilis
Deus e da Munificentissimus Deus
e afirma que Maria foi escolhida desde a eternidade para ser a mãe de Deus. A
Constituição Lumen Gentium considera
Maria como a mãe espiritual de todos os fiéis.
Maria
e o ecumenismo
Os
dogmas marianos são pontos de divergência entre católicos e evangélicos. Mas
quando se trata da Maria a partir da Bíblia é possível estabelecer um diálogo.
Maria, sem dúvida, é a serva do Senhor, discípula, crente. A partir da Reforma
esta foi visão presente entre os protestantes. Em contraposição, o catolicismo
popular reagiu com uma visão triunfalista de Maria.
Existem
dois excessos em relação a Maria: O maximalismo e o minimalismo. Enquanto uns
elevam Maria além do que as Escrituras e os dogmas permitem, colocando num
lugar que nem ela quereria ocupar, outros diminuem a figura de Maria, talvez
por mero combate, e acabam perdendo até mesmo a inegável Maria da Bíblia. Portanto, o sensato seria ‘a Maria nem o
máximo e nem o mínimo, a ela somente o que é dela’, na dúvida, examine as
Escrituras e a prudente Tradição.
REFERÊNCIAS
BOFF,
Clodovis. Introdução à Mariologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
O
Proto-Evangelho de Tiago.
Transitus
Mariae. Tradução: Tránsito de la Bienaventurada
Virgen María,.
[1] Segundo o Transitus Mariae, Maria viveu até os 59 anos e morreu no Getsêmani
e foi elevada ao Céu por anjos, em um dia de domingo. O texto diz que João, o
Teólogo, é autor da história.
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